O modernismo buscava temáticas que representassem o Brasil, assim como uma linguagem brasileira. Estas propostas não estavam presentes unicamente no mobiliário ou na arquitetura; a Semana de Arte Moderna de 1922 apresentava esta idéia, de voltar-se para a temática nacional nas artes, na música e na literatura.
O mobiliário associado à arquitetura
Nas décadas seguintes, entre 1930 e 1950, o móvel acompanha algumas transformações do período, como a modificação na arquitetura, que deixava os estilos do passado, como o neocolonial, e adquiria feições modernas. (CASA CLAUDIA, 2006; BITTAR e VERÍSSIMO, 1999). É neste cenário que os arquitetos passam a criar peças de mobiliário, na falta de produtos existentes que oferecessem uma estética moderna, em harmonia com os novos espaços planejados na época.
Nos anos de 1955 e 1960, a euforia desenvolvimentista foi baseada na racionalidade e no planejamento, simbolizados pelo governo de JK, que tinha como slogan “50 anos em 5” e pela construção de Brasília. Não por acaso, é durante a década de 1950 que o mobiliário moderniza-se; não apenas para atender uma demanda da nova arquitetura, mas para acompanhar uma nova ordem social, política e cultural que se estabelece no país.
A associação entre arquitetura, mobiliário e progresso contribui para o trabalho de vários profissionais, que passam a trabalhar junto a arquitetos, fornecendo móveis com a mesma linguagem moderna dos espaços aos quais se destinam. Esta parceria pode ser exemplificada pelo arquiteto Oscar Niemeyer, que convidou alguns profissionais para desenharem móveis para os seus projetos, inclusive aquele que ocupou grande parte do imaginário modernista do período: a construção de Brasília.
Entre os profissionais estava Joaquim Tenreiro (1906-1992), autor dos móveis para o projeto de uma residência de Oscar Niemeyer, em Cataguases, Minas Gerais. Tenreiro nasceu em Melo, Portugal e veio para o Brasil em 1929. Participou do Núcleo Bernardelli nos anos 30 e deixou as artes plásticas para trabalhar com móveis. Primeiro em fábricas, como aprendiz, passou a criar peças de estilos variados, de acordo com o gosto da clientela, até fundar a própria empresa, em 1943. A partir deste período, seus móveis ganham uma estética mais moderna, como na Poltrona Leve, criada para a residência de Cataguases: feita de madeira de imbuia, tinha como revestimento um tecido desenhado pela artista plástica Fayga Ostrower. (SANTOS, 1995).
O trabalho de Tenreiro é reconhecido como moderno e com forte apelo nacional pelo uso de madeiras típicas brasileiras, como imbuia, cedro, peroba e jacarandá. Tenreiro vinha de uma família que tinha tradição no trabalho com a madeira; seu pai e avô eram marceneiros em Melo. Os seus móveis marcam uma fase, na qual os profissionais buscavam uma linguagem moderna e ao mesmo tempo brasileira. As criações de Joaquim Tenreiro são consideradas dentro de uma linguagem nacional moderna em decorrência: do uso de madeiras brasileiras típicas, como cedro, jacarandá, peroba; da aplicação singular, resultado do profundo conhecimento das possibilidades destas madeiras; e finalmente pela leveza e sofisticação atribuídas às suas peças, tidas como elementos da modernidade no móvel. Tenreiro ainda realizou algumas modificações no mobiliário, como a redução das dimensões de mesas e cadeiras, adequando-as às proporções humanas.
Outro personagem marcante do design brasileiro é o arquiteto Sérgio Rodrigues, que freqüentemente “leva a fama de idealizador do autêntico mobiliário brasileiro, pelas formas robustas de suas peças – convite ao relaxamento e à informalidade – e o uso da madeira maciça grossa, em contraste com as silhuetas delgadas da época, contribuíram para essa fama”.(CASA CLAUDIA, 2006, p. 22).
O arquiteto iniciou a carreira no mobiliário como sócio dos irmãos Hauner, vendendo móveis da Móveis Artesanais em uma filial em Curitiba. Após um fracasso nas vendas, pois conta que vendeu apenas um sofá em um ano, ele decidiu abrir uma loja e vender os móveis que ele desenhava. Assim nasceu a Oca, aberta em 1955 no Rio de Janeiro, com o conceito de loja e galeria de exposições. Na Oca, Sérgio Rodrigues comercializou um de seus modelos mais famosos: a poltrona Mole. A poltrona foi criada a partir do pedido de um cliente, que procurava um sofá que parecesse “esparramado” (SANTOS, 1995, p. 127). O móvel, feito em jacarandá maciço inicialmente foi visto como uma peça pesada, grosseira, mas um ano depois já recebia várias encomendas. (SANTOS, 1995). Outros modelos foram desenvolvidos trabalhando com as madeiras nacionais, o couro e os tecidos brasileiros.
Sérgio Rodrigues, “buscando uma linguagem própria, lançou mão de materiais tradicionais, como o couro, a palhinha e o jacarandá. Num período que a moda valorizava os delgados pés de palito, assumiu a robustez da madeira em estofados pesados, que deixavam aparentes correias de couro e encaixes rústicos”. (CASA CLAUDIA, 2003, p.31).
Em 1946, desembarcaram no Brasil alguns imigrantes que fugiam da herança deixada pela Segunda Guerra. Era “a missão italiana’’, que trazia Pietro Maria Bardi e Lina Bo Bardi, Enrico Fuori Dominicci e Carlo e Ernesto Hauner. Pietro Maria Bardi e Lina Bo Bardi tiveram um papel fundamental no desenvolvimento da arte, da arquitetura e do design no país. Enrico Dominicci fundou uma empresa de iluminação e passou a fabricar lustres tradicionais italianos. Os irmãos Hauner fundaram a Móveis Artesanais que depois se tornou a Forma. (LEON, 2005; SANTOS, 1995).
Lina Bo Bardi deu início ao trabalho com o mobiliário no Studio Arte Palma, utilizando madeira compensada, plástico e chita como recursos para racionalizar a produção de móveis e diminuir os custos, buscando a industrialização. Desta época é a poltrona Bowl (1951), confeccionada com uma estrutura de ferro e com versões em couro e tecido. Lina Bo Bardi buscava a expressão de uma identidade brasileira em suas criações e assim começou a investigar o artesanato popular e o design vernacular , tendo viajado ao nordeste para realizar suas pesquisas.
Lina Bo Bardi desenvolveu projetos arquitetônicos nos quais pensava o espaço como um espaço de uso efetivamente, pelas pessoas, pois acreditava que a relação entre indivíduo e espaço (doméstico, público, institucional) interferia em todos os aspectos da vida. Criou importantes projetos de edifícios públicos, como o prédio do MASP (1947) e o edifício do SESC-Pompéia (1977), ambos em São Paulo; a residência conhecida como a Casa de Vidro (1951), também em São Paulo e a Casa do Benin (1987), na Bahia, para citar alguns.
O mobiliário criado por Bardi aproximava-se da idéia do design vernacular, com soluções que tinham como foco a simplicidade, a possibilidade dos materiais e a exploração de técnicas construtivas simples. (LEON, 2005). Dentro deste conceito, podem ser citados como exemplo a cadeira Girafa, criada para a Casa Benin, na Bahia, e a cadeira Frei Egídio.
O uso de materiais nacionais e a racionalidade na produção do mobiliário são elementos presentes no trabalho de José Zanine Caldas (1919-2001). Autodidata, Zanine Caldas trabalhou cerca de sete anos com maquetes de projetos de arquitetura, tendo realizado maquetes para Oscar Niemayer, entre outros arquitetos. Com as maquetes, aprendeu sobre madeiras e interessou-se pelo compensado; material adotado nos móveis que ele fabricou para sua residência. Em 1948, Zanine Caldas fundou, junto com alguns sócios, a fábrica de Móveis Z. Feitos de compensado, os móveis eram fabricados num processo quase inteiramente industrial: a fixação do estofado e das partes móveis era feita manualmente pelos funcionários.
Zanine Caldas trabalhava com chapas de compensado, cortadas em formas de S ou Z, que resultavam em formas inovadoras; os tecidos utilizados na fábrica não dependiam de costura e muitos eram revestimentos feitos de materiais plásticos ou lonas, que diminuíam o custo com etapas especializadas da produção. (CASA CLAUDIA, 2007). A Móveis Z tinha como público-alvo a classe média, que passou a consumir móveis modernos, com preços acessíveis.
No final da década de 1960 e durante os anos 1980 criou móveis escultóricos, feitos a partir de madeiras abandonadas e troncos de árvores. Em 1983, criou a Fundação Centro de Desenvolvimento das Aplicações das Madeiras do Brasil, um núcleo de pesquisa e preservação das matas e madeiras brasileiras.
O artista plástico, fotógrafo e designer Geraldo de Barros (1923-1998) foi autor de projetos de móveis baseados na racionalidade e na produção industrial. Geraldo de Barros realizou uma experiência singular quando, em 1954, estabeleceu uma parceria com os operários da Unilabor (União do Trabalho), uma cooperativa de trabalho que reuniu cerca de 50 funcionários. O objetivo da Unilabor era trabalhar com móveis que fossem acessíveis a um maior número de pessoas, utilizando para isto materiais industriais, racionalização e padronização.
Geraldo de Barros percebeu a necessidade de armazenar, guardar e transportar o móvel e, desta forma, surgiu a modulação das peças, que para ele “era uma espécie de jogo de armar: desenvolver um mínimo de peças e o maior número possível de combinações” (SANTOS, 1995, p. 117). O conceito de móvel modulado permitia maior racionalização e redução dos custos. As peças possuíam uma linguagem simples, tanto estética quanto construtiva; utilizava cores neutras como o branco e preto e combinadas ao ferro, permitiam composições versáteis e modernas. A Unilabor funcionou entre 1954 e 1967, mesmo com o desligamento de Geraldo de Barros em 1964, por questões de divergências na cooperativa.
O mobiliário no Brasil: 1970 – 2000
Após a década de 1950 e 1960, a noção de móvel moderno adquiria novos aspectos, como a procura por soluções simples, que oferecessem facilidade de produção e custo acessível. Dentro desta proposta, a cadeira Peg-Lev (1972), de Michel Arnoult, pode ser considerada resultado de um projeto inovador. A cadeira era comercializada em pontos de venda, como lojas e supermercados. A idéia era simples: um móvel que fosse retirado, transportado e montado pelo usuário. A cadeira desmontada ocupava pouco espaço, otimizando embalagem e o espaço onde seria armazenada.
Na década de 1980, os planos monetários e a crise econômica fizeram com que muitos escritórios de design fechassem. (LEON, 2005). Os designers nas décadas de 1980 e 1990 tiveram que reinventar o processo de criação e produção; muitos passaram a trabalhar sob a forma de parcerias com pequenas oficinas e marcenarias, fazendo dos pequenos fornecedores uma possibilidade de viabilizar seus projetos.
Neste cenário, buscaram-se novas soluções para o móvel, pautadas na investigação de possibilidades quanto aos materiais e técnicas produtivas e construtivas. Carlos Motta recebeu prêmios por soluções simples, com economia de material e facilidade de produção. A Cadeira São Paulo (1982) foi premiada no concurso do Museu da Casa Brasileira, em 1987, e foi campeã de vendas por dez anos. (CASA CLAUDIA, 2003). Feita de madeira, a cadeira possui um desenho simples; o encosto é encaixado no assento através de uma fenda. No final dos anos 1990, Motta passou a trabalhar com madeiras de reflorestamento e certificadas. Em 2003, recebeu o prêmio Planeta Casa pela poltrona Astúrias, feita com madeira reciclada.
No contexto de soluções construtivas e técnicas destaca-se o trabalho de Maurício Azeredo, que utiliza encaixes, alguns patenteados, nos móveis, todos feitos de madeira. Outra característica de Azeredo é o uso de madeiras variadas, provenientes de várias regiões do país. Este aspecto do trabalho de Azeredo confere ao móvel uma característica que se aproxima das criações de Joaquim Tenreiro.
Entre os anos de 1990 e 2000, o mobiliário brasileiro apresenta modificações, resultado de experiências com materiais, conceitos, processos de fabricação e novas perspectivas no mobiliário. São alguns termos que podem situar a produção dos designers destas décadas. O trabalho de Jacqueline Terpins com o vidro resultou em móveis inovadores, numa linha de 1999: cubos transformam-se em poltronas, pufes e estantes.
O artista plástico Nildo Campolongo descobriu o trabalho com papéis nos anos 1980: rolos usados em gráficas e fábricas deram origem a mesas, pufes, cadeiras e outros objetos. Desenvolveu tramas de papel para compor piso, telha e revestir uma casa; o projeto foi apresentado no SESC Santo André, em São Paulo, em 1994.
A dupla Gerson de Oliveira e Luciana Martins, que trabalha em parceria desde 1991, desenvolve objetos e móveis que instigam a curiosidade. Em 2005, foram premiados com o primeiro lugar na categoria utensílios, do concurso Museu da Casa Brasileira, pelo cabideiro Huevos Revueltos, feito com bolas de bilhar, que podem ser dispostos na parede da maneira que o usuário quiser. Uma apropriação de objetos que se convertem em peças de mobiliário. Segundo a opinião do júri: “O cabideiro resulta num objeto lúdico e instigante, conjugando versatilidade no cumprimento de sua função e humor em seu aspecto formal, que se estende até à embalagem” (MUSEU DA CASA BRASILEIRA, 2005) A dupla estabelece uma proximidade com os irmãos Campana, que empregam objetos e materiais, retirados de um contexto e transformados em produtos e mobiliário.
Em 1989 tem início o trabalho dos irmãos Humberto e Fernando Campana, que começaram a trabalhar com esculturas de metal e pequenos objetos. A primeira exposição, Desconfortáveis (1989), apresentou cadeiras de ferro e cobre sem acabamento, despertando a atenção para as fronteiras entre arte e design. Em 1998 os irmãos fizeram sua estréia no Salão Internacional do Móvel de Milão, com a cadeira Vermelha, de 1993. Confeccionada com 493 metros de fios de algodão tingidos. Os Campana trabalharam com vários materiais e conceitos, como reuso, reaproveitamento, ready made. Utilizaram técnicas artesanais e tecnologia ponta e realizam uma bem-sucedida parceria coma empresa italiana Edra, desde 1998.